Torcedoras Iranianas compareceram pela primeira para acompanhar a
seleção do país. Principais palavras na arena eram: “liberdade e felicidade” Foto:Reuters
No
último dia 20, o mundo viu pela primeira vez, em quase 40 anos, torcedoras do
Irã acompanhando em um estádio o jogo da seleção masculina de futebol do país
contra a Espanha pela segunda rodada do Grupo B da Copa do Mundo. Desde a
Revolução Islâmica essas torcedoras eram proibidas de frequentar jogos dos
iranianos como uma medida protetiva por conta de posturas vulgares e ofensivas
comuns nas arquibancadas. Se por um lado a Mundial na Rússia deixa esse marco,
por outro, registros de assédio envolvendo torcedores têm revelado apenas a
ponta de um problema que é muito comum: o ambiente muito machista do futebol
afasta as mulheres que gostariam de frequentar os estádios.
Nos
últimos dias, foi grande a repercussão de notícias sobre grupos de torcedores
brasileiros e argentinos que, em supostas brincadeiras, desacataram torcedoras
russas e, em um dos episódios, também uma jornalista. Ainda que não se trate de
uma cultura exclusiva do Brasil, aqui as ofensas ganharam proporções
suficientes para que torcedoras se organizassem em diversos grupos pelas redes
sociais para protestar contra este tipo de atitude.
“A
ideia de criar o movimento veio de torcedoras que, em um bate papo, se reuniram
e começaram a falar sobre o preconceito de maneira geral contra as mulheres na
arquibancada, o excesso de machismo, o assédio. Aqueles ataques como o de que
mulher não entende de futebol, e o lugar de mulher é atrás do fogão. O
movimento surgiu para mostrar a força que a mulher tem também nas arquibancadas
do Brasil afora”, explicou Elise Oliveira, administradora da página Lugar delas
é na Bancada, no Facebook. O movimento reúne mulheres de todo o país,
torcedoras de diferentes times.
Sem
se intimidar com as agressões, aos 33 anos, a paranaense Elise contabiliza o
número de jogos de seu time - Atlético Paranaense – que acompanhou das
arquibancadas em Curitiba e em outros estados. Mas, na mesma conta, entram,
pelo menos, três casos de assédio sofridos pela torcedora.
“É
muito comum o assédio nas arquibancadas. Uma vez, na fila do estádio, passaram
a mão debaixo da minha perna até minhas partes íntimas. Outro caso foi de uma
mulher que me revistou na entrada do estádio e foi super invasiva. Fiz denúncia
na delegacia especial de eventos de futebol de Curitiba e recebi a resposta de
que aquele era o procedimento. Ela me deu um tapa nas partes íntimas”, contou.
A
atleticana que rechaça, em nome do grupo e na página da rede social, os casos
ocorridos na Rússia, disse que é comum ataques verbais nos estádios
brasileiros. “Em um jogo no Pacaembu, em São Paulo, pela Copa do Brasil, estava
com duas outras meninas na arquibancada e quando a gente passava tinham
xingamentos e gritos com palavras de baixíssimo calão contra nossa presença
ali, pelo fato de sermos mulheres e estarmos no estádio”, disse.
O
movimento do qual Elise vai realizar, em agosto, um encontro nacional com
outras torcedoras em Fortaleza para tentar definir estratégias para mudar a postura
ofensiva às mulheres nos estádios.
A
jornalista Ana Freire, uma das integrantes do movimento Vascaínas Contra o
Assédio, explicou que a primeira vez que as torcedoras se encontraram foi em
São Paulo, em um clima de desabafo. “A nossa expectativa agora é conscientizar
as mulheres com palestras mais didáticas para tratar, inclusive, dos assédios
velados”, disse.
O
Vascaínas é um dos movimentos mais recentes nessa luta. Mas, apesar de ter
menos de um mês, conseguiu avançar na sensibilização de alguns dirigentes. Ao
tentar marcar o primeiro encontro em São Januário, no Rio de Janeiro, a adesão
de mulheres superou as expectativas e chamou a atenção de Sônia Andrade,
primeira vice-presidente mulher da história do Vasco, que abriu as portas do
estádio para a reunião ocorrer lá dentro.
A
sensibilização da dirigente, que deveria ser considerada uma conquista, acabou
engrossando a bola de neve de críticas contras as torcedoras. “Ela garantiu o
apoio, mas isto não significa que o movimento está submetido ao clube. É um
movimento apartidário. Mas, estamos recebendo vários comentários com ataques e
a maioria acaba também agredindo uma das torcedoras que está na foto do
encontro usando um short. É muito sujo. A menina ficou muito abalada”, lamentou
Ana. Entre as frases ofensivas, torcedores dizem que a vascaína “está pedindo
[para ser assediada]” por usar os shorts.
Mais
do que apenas lamentar o que tem visto, Ana também foi vítima de situações como
esta. No último jogo do Vasco, contra o Sport, a vascaína estava com as outras
torcedoras para fazer a tradicional foto de comemoração pela vitória do time e
encostou em uma grade do estádio. “Um cara me deu um tapa muito forte na bunda.
Para muita gente pode parecer mimimi [reclamação exagerada], mas eu me senti
abusada. O pior é que seu eu grito ou reclamo disso, sou tida como maluca que
está fazendo tempestade em um copo d’água. Eu já deixei muito as coisas
passarem batido, mas hoje não deixo mais. Percebo que muitos meninos estão
tentando mudar. Isso me deixa feliz porque estamos querendo conquistar um espaço
que também é nosso”, desabafou.
EBC
Da Redação
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